Dia Mundial do Transtorno Bipolar: conscientizando e quebrando preconceitos


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Bipolar. Palavra que tem sido banalizada ultimamente, mas que esconde por trás dela uma doença muito séria, que afeta não só a vida de quem sofre dela como das pessoas mais próximas. Na realidade, este transtorno vai muito além do que uma mera alteração do humor, algo a que toda pessoa está sujeita pelos mais diversos motivos. No caso da bipolaridade, as mudanças acontecem sem que haja um motivo aparente e o fato de as pessoas não saberem exatamente do que se trata faz com que acabem tendo uma ideia equivocada a seu respeito.

Quer ter uma noção do que é esta doença? Imagine por um instante a sensação de estar no topo do mundo: sua mente ferve, cheia de ideias e planos, você ri ou acha tudo muito engraçado, se arrisca, faz coisas que jamais faria em seu juízo normal – como gastar seu salário inteiro ou suas economias de uma vez só -, exagerar na bebida ou até mesmo usar substâncias mais pesadas, passar a noite em claro e não se sentir cansado; enfim, achar que nada parece impossível.  Guardada as devidas proporções, não parece tão ruim estar sempre “para cima”, mas há o outro lado da moeda: passada essa fase, de um momento para o outro o cenário muda e de repente você se sente muito triste, chora sem motivo, não tem ânimo para nada e fica tão sem esperança que pensamentos suicidas tomam conta de sua mente. Do topo do mundo você vai direto para o fundo do poço.

Estas fases de altos (mania) e baixos (depressão) podem se alternar com maior ou menor frequência e intensidade – daí o nome “bipolar” pelo qual a doença passou a ser conhecida (antes disso era denominada transtorno maníaco-depressivo). O quadro se agrava cada vez mais se não houver tratamento, sem falar nos problemas que estas oscilações acabam causando, tanto na saúde como na vida da pessoa e daqueles com quem ela convive diariamente.

Felizmente tem surgido um grau maior de conscientização em relação às doenças psiquiátricas e o fato de alguns artistas revelarem que sofrem de problemas desta natureza ou participarem de campanhas de esclarecimento como a da Associação Brasileira de Psiquiatria e iniciativas como a da International Bipolar Foundation, que promoverá o World Bipolar Day todo dia 30 de março a partir deste ano, também têm ajudado a tirar um pouco do estigma que existe em torno delas e levar as pessoas a conversarem a respeito e procurarem ajuda.

Entre os famosos, um dos casos bastante conhecidos é o do ator e comediante britânico Stephen Fry (Bones), diagnosticado de forma definitiva aos 37 anos – ele sofre de ciclotimia, que é uma das formas do transtorno, com sintomas mais sutis – embora já sofresse desde a adolescência com as variações de humor.  Ele narra um pouco de sua trajetória no documentário da BBC The Secret Life of the Manic Depressive, em que se consulta com especialistas e conversa com o cantor Robbie Williams e os atores Richard Dreyfuss e Carrie Fisher, que também sofrem do problema.

 

 

O documentário Up/Down, de 2011, também ajuda a esclarecer fatos sobre a doença, pois além de ouvir as pessoas que vivem com ela, também mostra o que pensam e como se sentem aqueles que também são profundamente afetados por conviver com quem tem o transtorno bipolar, como familiares e amigos mais próximos. E retrata bem a falta de informação do público em geral, que acaba se atendo aos estereótipos negativos associados à doença ao tentar descrever o que eles acreditam que ela seja.

 

“É como pegar o melhor e o pior dia de sua vida e multiplicar por mil”. É assim que um dos portadores do transtorno define a sensação dos altos e baixos na produção mais recente sobre o tema, Of Two Minds, de 2012, que adota uma abordagem que foge do didatismo e procura mostrar como diversas pessoas levam suas vidas da melhor forma possível, dentro de suas limitações, enfrentando um dia de cada vez.

 

 

Além do cinema, que já retratou personagens bipolares, sendo o caso mais recente O Lado Bom da Vida (2012), com Bradley Cooper e Jennifer Lawrence, na televisão vários personagens com o transtorno passaram por diversas séries ao longo dos anos. Entretanto, na maioria das vezes, o que mais se via eram personagens descritos como bipolares sendo retratados como incontroláveis, indo de pessoas amáveis e agradáveis a raivosas ou suicidas em questão de segundos, em um retrato simplista que não mostra de forma alguma a complexidade da doença. E, ainda, na maioria das vezes o personagem em questão acabava sendo o “esquisitão” digno de pena, cuja vida é um caos total, ou o suspeito de um crime em alguma série policial, que só servia para reforçar os piores estereótipos possíveis (“é bipolar e, portanto, perigoso”).

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Claire Danes e sua personagem Carrie Mathison, protagonista em Homeland , colocaram o transtorno bipolar em evidência no horário nobre da TV. A crítica elogiou a atuação da atriz e a forma realista como – considerando as devidas licenças artísticas –  a doença foi retratada na tela (as crises, as opções de tratamento, bem como a decisão de ela deixar de tomar medicamentos e suas consequências).  Mas, o mais importante de tudo é que Homeland retratou uma pessoa que consegue lidar com seu problema, vai trabalhar e tenta tocar sua vida. Sua doença é parte do que ela é, mas não define quem ela é. Há também a preocupação de retratar também o estigma que existe em torno das doenças mentais, daí o fato de Carrie tentar de toda forma esconder sua condição, que, obviamente lhe custaria não só a credibilidade como também o emprego.

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Se de um lado Danes leva o público para dentro de sua “mente inquieta”, a interpretação de Chloe Webb em Shameless serve para mostrar não só o dia a dia de quem sofre da doença como também o impacto nas pessoas que convivem com ela. Na série vemos como sua personagem Monica Gallagher vai de um surto maníaco no qual leva seus filhos para torrar suas economias em compras até uma tentativa de suicídio no auge de uma crise depressiva, em numa cena chocante.

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A série canadense Rookie Blue  trouxe uma nova personagem para sua quarta temporada, a “esquentada” policial Marlo Cruz (Rachael Ancheril), que a princípio já despertou antipatia dos fãs por ter se tornado o novo par romântico de Sam Swarek (Ben Bass). Quando ela revela a Andy McNally (Missy Peregrym) sobre sua condição a surpresa não é só de sua colega como do público pois até então a trama daquele episódio dava a entender que outra personagem teria a doença. A exemplo de Carrie em Homeland, Cruz mantém segredo, pois teme que isso acabe afastando-a de seu trabalho. Ao mesmo tempo surge a questão, levantada pelos demais personagens quando se dão conta de que um deles é bipolar: alguém com essa doença poderia ter se tornado policial? A introdução de Cruz na série talvez tenha sido com este propósito e a doença infelizmente acabou interferindo em seu trabalho, levando-a a cometer um erro que teve consequências bastante sérias para seus colegas.

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Além delas, vários personagens marcantes passaram pelas telas, com tramas e backgrounds diversos. Quem não se lembra de Maggie Wyczinski, a mãe de Abby (Maura Tierney) em ER, interpretada por Sally Field em um desempenho que lhe rendeu um Emmy em 2001? Ou de Billy Chenowith (Jeremy Sisto), o irmão que tinha um relacionamento quase simbiótico com Brenda (Rachel Griffiths) em Six Feet Under? E da irmã de Kelly Taylor (Jennie Garth), Erin Silver (Jessica Stroup, indicada para dois PRISM Awards pelo seu papel) de 90210? E de Waverly Grady (Aasha Davis), que deu aos roteiristas e produtores de Friday Night Lights o Voice Award? Ou, ainda, de Kathleen Stabler (Allison Siko), filha do detetive Elliot Stabler em Law & Order: SVU, que, depois de envolver em uma série de problemas com a lei, foi diagnosticada com a doença? E, por fim, ainda acompanhamos Sean Tolke (John Benjamin Hickey), irmão de Catherine “Cathy” Jamison (Laura Linney) de The Big C, que embora diagnosticado recusou tratamento durante muito tempo, levando uma vida conturbada.

Mas entre todos estes retratos da doença, um dos que mais se destacou foi, curiosamente, a história de uma pessoa real, introduzida na série Doctor Who, no episódio da quinta temporada, “Vincent and the Doctor”.  A trama, que mescla fantasia e realidade emocionou os fãs da série ao mostrar o drama vivido pelo pintor holandês Vincent Van Gogh (1853-1890), interpretado por Tony Curran.  Embora jamais tenha sido diagnosticado em vida, Van Gogh manifestava sintomas claros do transtorno, que o levaria a cometer suicídio aos 37 anos, enquanto estava internado em um hospital psiquiátrico na França. Suas obras de certa forma refletiam seu tormento interior, mas ao mesmo tempo possuíam uma beleza ímpar.

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O QUE É

O transtorno bipolar é uma doença mental caracterizada por variações acentuadas do humor, com crises repetidas de depressão e euforia (mania). As oscilações do humor repercutem nas sensações, nas emoções, nas ideias e no comportamento da pessoa e acabam interferindo e muito em sua saúde e autonomia (vida pessoal e profissional).  Seu diagnóstico é difícil e em alguns casos pode levar anos. Não raramente os pacientes acabam recebendo outros diagnósticos como distimia ou depressão, o que retarda o início de um tratamento adequado, agravando ainda mais a situação.

Em comparação às demais doenças psiquiátricas, a mortalidade dos portadores de transtorno bipolar é elevada, e o suicídio é a causa mais frequente de morte, principalmente entre os mais jovens.  Estima-se que até 50% dos portadores tentem o suicídio ao menos uma vez em suas vidas.   Além disso, a incidência de doenças clínicas como obesidade, diabetes, e problemas cardiovasculares é mais alta entre os portadores do que na população geral.  A associação com a dependência de álcool e drogas não apenas é comum como agrava o quadro, interfere na adesão ao tratamento e aumenta em duas vezes o risco de suicídio.

A causa exata é desconhecida, pois há uma série de fatores que interagem e acabam produzindo os sintomas, mas os cientistas acreditam que uma delas esteja ligada à genética: segundo a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar, 50% dos portadores da doença apresentam pelo menos um familiar afetado e filhos de portadores apresentam risco aumentado de apresentar a doença, quando comparados com a população geral.  Embora a genética tenha um peso maior, os fatores ambientais, denominados “gatilhos” (níveis elevados de stress, perturbações constantes do padrão de sono e o consumo de álcool e drogas pesadas), também contribuem para que a doença acabe se manifestando em pessoas que já possuam algum tipo de predisposição.

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Embora não haja consenso na comunidade médica, o mais comum é classificar o transtorno bipolar em dois tipos principais (o I e o II), ainda que alguns estudiosos prefiram citar quatro tipos, listados abaixo:

– Tipo I: é o mais característico, com crises de mania e depressão. Sem tratamento as crises de mania duram de 3 a 6 meses. Os episódios de depressão podem durar mais sem tratamento: de seis meses a um ano. O tipo I atinge cerca de 1% da população geral.

– Tipo II: os episódios de depressão e hipomania (versão mais leve da mania, como é chamada a fase de euforia) são mais curtos e mais espaçados entre si.  O tipo II afeta cerca de 8% da população geral.

– Ciclagem Rápida: caracteriza-se pela superposição ou alternância de sintomas depressivos e eufóricos importantes em um período curto de tempo. Costuma afetar uma em cada 10 pessoas com transtorno bipolar, com incidência maior em mulheres e em portadores do tipo II.

– Ciclotimia: traz os sintomas da doença mais brandos. As oscilações de humor não são tão severas como naqueles que sofrem de transtorno bipolar, mas duram mais. E em alguns casos quem tem ciclotimia pode vir a ter o transtorno bipolar.  Afeta de 0,4 a 1% da população geral.

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SINTOMAS

Os sintomas dizem respeito a cada fase da doença.

Mania

O principal sintoma desta fase é um estado de humor elevado e expansivo, eufórico ou irritável. Nas fases iniciais da crise a pessoa pode sentir-se mais alegre, sociável, ativa, autoconfiante, inteligente e criativa. Com a elevação progressiva do humor e a aceleração psíquica podem surgir outros sintomas como uma irritabilidade extrema, alterações emocionais súbitas e imprevisíveis (a fala torna-se muito rápida, com mudanças frequentes de assunto), reação excessiva a estímulos, hiperatividade ininterrupta; diminuição da necessidade de dormir; aumento da libido, tendência a recusar o tratamento e a se envolver em situações de risco; perda da noção da realidade, delírios, abuso de álcool e de substâncias.

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Depressão

O principal sintoma é um estado de humor de tristeza e desespero. Em função da gravidade da depressão, a pessoa pode sentir também uma acentuada baixa da autoestima; ficar obcecada com pensamentos negativos, sem conseguir afastá-los; sentimentos de inutilidade e culpa excessiva; pensamento lento, esquecimentos, dificuldade de concentração e em tomar decisões; perda de interesse pelo trabalho, pelos hobbies e pelas pessoas, incluindo os familiares e amigos; alterações do apetite e do peso; alterações do sono: insônia ou sono a mais; diminuição do desejo sexual; ideias de morte e de suicídio; uso excessivo de bebidas alcoólicas ou de outras substâncias.

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Em alguns casos a pessoa pode apresentar durante a mesma crise sintomas de depressão e de mania, o que corresponde às crises mistas.

A incidência da doença costuma ser igual entre homens e mulheres — no entanto a do tipo II, com oscilações menos espaçadas e constantes, costuma ser mais comum entre os pacientes do sexo feminino (na proporção de 70/40).

TRATAMENTO

O tratamento mais convencional consiste em uma combinação de medicamentos, em geral antipsicóticos, antidepressivos e estabilizadores de humor, receitados por um psiquiatra em conjunto com acompanhamento de um psicólogo.  Em alguns casos, a critério do profissional e do paciente, pode-se aplicar a ECT (eletroconvulsoterapia), usada principalmente para os quadros depressivos graves, com ou sem sintomas psicóticos, nos episódios de mania aguda.  Ainda há certo receio do público leigo em relação a este tratamento, que envolve uma pequena descarga elétrica no cérebro (a técnica felizmente está bem longe daquela imagem assustadora tão alardeada pela ficção), mas seus defensores afirmam que o início de seu efeito, especialmente nestes casos mais graves, é mais rápido que o de antidepressivos e/ou antipsicóticos (conforme revelado em vários estudos).

Apesar da gravidade e do fato de não ter cura, a pessoa poderá levar uma vida plena e produtiva desde que siga à risca o tratamento (a combinação correta de medicamentos e psicoterapia) e busque apoio junto a amigos e familiares para lidar com situações que podem representar risco de desencadear crises como o stress e a alteração nos padrões de sono (os chamados “gatilhos”).

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Hoje, dia 30 de março, é celebrado pela primeira vez o World Bipolar Day (WBD). A data escolhida é o aniversário do pintor holandês Vincent Van Gogh, postumamente diagnosticado com o transtorno bipolar. O objetivo é conscientizar o mundo sobre a doença e lutar contra o estigma que ainda existe em relação aos portadores de doenças psiquiátricas. 

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Com informações da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar. Para maiores informações acesse também AbrataAssociação Brasileira de Psiquiatria.

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  1. Maria Inez Nêssarte - 30/03/2014

    Patricia parabéns que matéria boa para seriadores ou não muito rica e demonstrando que sua pesquisa e trabalho foi fruto de muito carinho..

  2. Raquel Perez - 31/03/2014

    Patty seu texto está tão, mas tão bom sobre esse transtorno do qual, por incrível que pareça, poucas pessoas já ouviram falar que para não me alongar muito nos comentários, só te digo uma coisa: você arrasou, minha amiga!!

  3. Mônica Almeida - 31/03/2014

    A primeira vez que ouvi falar em transtorno bipolar foi quando a mãe da Abby apareceu em ER. Resolvi dar uma pesquisada e percebi que é uma doença séria, embora muita gente não trate como tal. Esse episódio de Doctor Who, que o Van Gogh é personagem, foi o episódio mais emocionante que já vi até hoje, justamente por se tratar de uma pessoa real que tinha a doença e era tratado muitas vezes como louco, por não haver tratamento, nem mesmo diagnóstico na época. Parabéns pela excelente matéria, Paty!

  4. Abilio - 05/04/2014

    Parabéns Patricia pela excelente matéria, de fôlego e esclarecedora. Tenho 53 anos, diagnosticado com Transtorno Bipolar há 13 anos, e com sintomas desde a adolescência. Faço tratamento desde então, e com seriedade. Pesquiso muito sobre o assunto e posso dizer que tenho um alto grau de conhecimento em relação a ele, como leigo claro. A sua matéria foi uma das melhores que li na minha busca em conhecer e entender o Transtorno Bipolar. Comoveu-me. E satisfeito por ser instituído 30 de março como o Dia Mundial do Transtorno Bipolar. Um grande abraço.

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