Review: Studio 60 on the Sunset Strip – The Wrap Party


Warning: Undefined variable $post_id in /home1/telese04/public_html/wp-content/themes/thestudio/single.php on line 28

Cena de The Wrap Party
Série: Studio 60 on the Sunset Strip
Episódio: The Wrap Party
Temporada:
Número do Episódio: 6
Data de Exibição nos EUA: 23/10/2007
Data de Exibição no Brasil: 22/8/2007
Emissora no Brasil: Warner

Uma das vantagens de acompanhar semanalmente a transmissão de uma série pela televisão é poder saborear os episódios com mais vagar e nos deixar surpreender por eles. Este tem sido o caso de Studio 60 e essa observação se aplica particularmente ao sexto episódio. Como das outras vezes, Sorkin não apenas conseguiu surpreender, como foi absolutamente preciso.

Considero este episódio um dos mais perfeitos, porque ao mesmo tempo em que preserva as qualidades de uma obra poética, não deixa de ser também um teorema. Teorema em grego significa “aquilo que pode ser provado, demonstrado”. Mas também significa espetáculo e festa. Ora, tudo isso é o que temos neste capítulo 6: uma aula de roteiro, de dramaturgia, junto com a demonstração de argumentos morais da mais alta importância, em meio a um espetáculo (o próprio show).

O episódio se inicia com uma festa interna de Studio 60, após o final da apresentação de Sting, cuja canção é uma síntese dos episódios anteriores (4 e 5): não há sobrevivência possível para o artista se ele perde a sua alma. Perder a alma significa divorciar-se, afastar-se dos valores e sentimentos genuínos, essenciais que nortearam sua vida, não importam quais sejam. A criatividade depende da autenticidade. Esta era a história que Martha O´Dell estava a procura e encontrou-a na história de amor entre Matt e Harriet. Mas ela está também em Jordan, Danny e todos os demais que estão buscando novos caminhos para o programa.

Todavia entre a criatividade e a autenticidade ainda há um terceiro termo que parece ter ficado de fora. É interessante observar como o tema da memória é introduzido na discussão, quase que sorrateiramente, primeiramente por Martha, na forma de lembranças, depoimentos, alguns bastante confessionais, como a trajetória pungente de Harriet, quando a jornalista insiste em conversar com ela sobre seu relacionamento com Matt. Ali temos o primeiro registro e a insinuação de que a lembrança e a capacidade de rememorar o passado, tal como a de comemorar é fundamental para todo e qualquer processo criativo, pessoal ou coletivo.

Mas a memória e o tempo possuem muitas faces. E no contexto do patchwork cultural norte-americano, a sulista Harriet representa apenas uma delas. Há outras faces bem mais problemáticas, urgentes a serem encaradas e isso explica o modo como o tema da memória vai sendo desenvolvido neste episódio.

Em primeiro lugar, na pele de Simon Stiles (D.L. Hughley). Na condição de comediante negro, ele está insatisfeito com suas falas e piadas e quer levar Matt para assistir um show de um humorista negro novaiorquino; em seguida, sob a pele de Tom Jetter (Nathan Corddry) e seus pais que resolveram visitá-lo no Studio 60; finalmente, e não menos importante, sob a pele de um velho visitante encontrado meio perdido andando pelos corredores do teatro, aparentemente desmemoriado.

Creio que ao escolher essas três personagens, Sorkin teve em mente abordar a televisão americana como um importante lugar de memória, a partir do qual a própria sociedade norte-americana pode ser pensada. Essa questão já havia sido anunciada por Marta O´Dell quando falou sobre seu interesse pela cultura popular. O que mais surpreende é constatar como as três situações referem-se a experiências sociais e culturais muito profundas. Elas parecem se chocar, mas ao acompanharmos a trajetória das personagens, verificamos que não é bem assim. Em algum momento elas se entrecruzam e podem conversar umas com as outras. Afinal, a questão posta por Martha é que o país é formado por uma metade que odeia a outra metade. Sorkin tem uma tese sobre isso e pretende demonstrá-la.

Comecemos com a chegada dos pais de Tom, que vivem em Columbus, Ohio. Não é um encontro tranqüilo e Tom está inquieto com a chegada deles. Temos aí aquele mal estar entre pais e filhos, uma ausência de comunicação e mesmo de carinho. Quem assistiu Beleza Americana saberá identificar imediatamente o problema de Tom, trazido de forma menos trágica, mas não menos contundente.

Entretanto é com a introdução do velho perdido que a discussão começa a tomar fôlego. Reparem que ele é surpreendido em um camarote tentando furtar uma foto antiga, quando os seguranças surpreendem-no e tentam retirá-lo a força. Neste exato momento aproxima-se Cal (Timothy Busfield) que, informado da situação, pergunta o nome dele. A seqüência de respostas do velho, nos permite identificar o simbolismo de sua presença naquele lugar e naquele momento: temos uma referência explícita a Homero, mais exatamente a Ulisses.

Cal:

Qual é o seu nome?

Velho:

O que?

Cal:

Eu posso ser capaz de ajudá-lo se me disser seu nome.

Velho:

Oh claro, claro. Você tem que ter um nome. O que tem num nome? Está tudo no nome.

Quem leu a Odisséia de Homero verá que algo parecido com esse diálogo – um diálogo em torno do nome – faz parte de um dos episódios da famosa história, envolvendo Ulisses e o Ciclope. De acordo com o herói, quem tem nome tem identidade. Se não sabemos o nosso nome, não sabemos quem somos, parece dizer o velho a Cal.

Diante desta resposta, Cal sabe que não está diante de um indigente, mas de alguém muito especial, talvez um portador de Alzheimer perdido. Para reforçar o enigma, o velho diz ainda que não deseja voltar para “Stars and Bars” ou “Tars and Bars”, novamente uma confusão em torno de nomes. Não sabemos ainda ao certo o que isso quer dizer, mas uma luz acende dentro de Cal e ele intimamente resolve dar uma chance ao velho, ou melhor, a si próprio, interrompendo o que estava fazendo para procurar saber realmente quem é o velho e de onde ele é. Como veremos, a busca não será em vão.

De fato, o rumo que o episódio toma não desmente nossas impressões. Ao mesmo tempo em que Cal tenta acolher e providenciar um lugar para o velho – e isso não deve ser tomado em sentido apenas literal, mas, sobretudo, em termos metafóricos – Tom está com os pais pelos corredores de Studio 60, tentando contar-lhes a história sobre as origens daquele teatro e do próprio programa. É verdade que o tom da conversa não deixa de ser um pouco museográfico, mas a intenção é essa realmente. O fato é que os pais de Tom não se lembram de nada, como não entendem quase nada do que o filho diz e faz. Como podemos observar, o sentimento predominante é o estranhamento, a distância, deixando no ar um clima tenso e desconcertante.

Finalmente chegamos ao embate entre Matt e Simon. Simon Stiles quer que Matt o acompanhe ao show de um comediante negro, Willy Wilson ou Wilz, ou algo parecido, porque mais uma vez ninguém sabe ao certo o nome da pessoa. Diante da recusa de Matt em acompanhá-lo, Simon responde que gostaria de ver mais roteiristas negros na equipe. Matt pergunta se o problema é diversidade. Simon diz que não, mas que ele Matt deveria considerar a hipótese de não ter pessoas que tivessem ido somente à Harvard na equipe.

Matt:

Mas você acha que preciso trazer ajuda da cadeia para escrever sobre um cara negro?

Simon:

Eu acho que há comédia para ser encontrada em experiências que estão longe das suas. E acho que há uma linguagem musical e dramática que você não é fluente.

A discussão não para por aí, vemo-la ir um pouco mais além, até que finalmente Matt se dá conta e percebe que deve acompanhar Simon nesse show.

É importante dizer que no conjunto das três situações apresentadas, todas as personagens são surpreendidas por algo que as obriga a parar para pensar, porque se dão conta de que algo está errado: Tom percebe a distância irremediável que o separa de seus pais; Matt percebe que há algo errado entre ele e Simon por conta dos roteiros. Quanto a Cal, o velho simplesmente o confunde. Apesar disso, nos três casos, a mesma experiência de incerteza é trabalhada dramaticamente de forma diferente: no caso de Tom temos um tratamento mais psicológico; no caso de Simon e Matt, uma abordagem mais social; no caso do velho temos a retomada da dimensão mítica e imemorial.

Depois de o velho ter fornecido três nomes, Cal, confuso, sai a procura de ajuda e encontra com Danny. Explica para ele a expressão que o velho havia repetido “Não me mande de volta para Tars and Bars”. Danny identifica a expressão como sendo de autoria de Sid Caesar, um comediante. Cal concorda e revela então para nós quem foi Sid Caesar. Ele tocara sax numa banda chamada Tars and Bars durante a 2ª guerra até descobrirem que ele era engraçado e transformarem-no em um comediante. Quando foi para a TV, ele sempre dizia para os roteiristas que deveriam ser bons o suficiente para ele não ser mandado de volta para Tars and Bars. Danny concorda e pergunta o nome do velho. Cal responde que ele deu três nomes e os repete. Danny ri dizendo que o velho está brincando com ele. “São seis nomes e não três”. Cal se dá conta então da artimanha do velho e pergunta:

Alguém que não consegue achar o caminho para casa, mas é capaz de fazer um anagrama?

De fato, essa é a história de Ulisses que Sorkin pretendeu trazer para dentro do show. Ulisses era um dos mais velhos guerreiros de Tróia e também perdeu o caminho de casa. Ficou vagando 10 anos até encontrá-lo novamente. Mas, apesar disso, foi famoso por sua inteligência, sagacidade e não menos vocação para a narrativa. Saber contar uma história era com ele mesmo.

A seqüência do episódio parece confirmar isso. O mal estar entre Tom e seus pais só faz aumentar até explodir em conflito. O pai, apesar de um “desconhecido” para ele, lhe faz ver aos berros que existe uma outra América, ela está em guerra numa outra parte do mundo, não está assistindo Tevê.

Matt e Simon também são levados a fazerem a mesma constatação. Willy Wilz não mostra apenas uma outra metade da América, mas mais do que isso, mostra que há alguma coisa profundamente errada com ela. Alguma coisa se perdeu no meio do caminho entre Martin Luther King, as lutas pelos direitos civis e os negros atuais.

Enquanto isso, Cal consegue identificar o velho, um herói da 2ª guerra mundial chamado Eli Weinraub, não por acaso um judeu. Como entusiasta da 2ª guerra, Cal se informou sobre os feitos de Eli e descobriu que ele tomou parte na lendária Invasão da Normandia. É lá que ele obteve a cicatriz no rosto. Em um dos momentos mais emocionantes do episódio, Cal agradece a Eli por ter ganho a 2ª Guerra Mundial. Mas, e a fotografia? Afinal, foi por causa dela que Eli entrou no camarote.

Eu não sei porque você a quer, mas você trabalhou duro para consegui-la, então…

Cena de The Wrap PartyFinalmente, Cal presta atenção na foto e muito provavelmente pela primeira vez a enxerga de fato. Reconhece Eli através de sua cicatriz (novamente menção a Ulisses). Ali está ele como parte de um grupo de roteiristas de Studio 60.

Enquanto isso, vemos Simon desculpar-se com Matt por tê-lo forçado a ir assistir Willy Wilz. A ocasião é propícia para uma rememoração importante sobre a vida de Simon. Aos 15 anos assistiu o assassinato de um amigo. Os outros amigos se juntaram para vingarem a morte dele e finalmente o líder do grupo impediu que ele, Simon, tomasse parte na vingança. Todos, sem exceção, foram condenados à prisão perpétua e somente ele escapou, fora poupado e agora mora em uma casa com piscina em Hollywood Hills.

É nesse momento que entra em cena Darius Hawthorne. Simon perdido em suas memórias e passado não percebe a voz dissonante de Darius, o outro comediante negro que se apresenta após Willy Wilz. Porém Matt consegue fazer isso imediatamente e chama a atenção de Simon. A apresentação aparentemente mal sucedida de Darius para uma platéia que o considera entediante é bastante sugestiva sobre o que ele pode vir a representar para a metade negra da América, aquela que Simon quer representar.

Boa noite. Meu nome é Darius Hawthorne. Ele é um jogador dos ‘Bruins’ ou um naturalista do século XIX? Eu escuto isso todo o tempo.

Com essa introdução inusitada, o que Darius vem provar? A tese de Matt, de que não se precisa ir até a cadeia para falar de negros, ou o argumento de Simon, de que é preciso pegar o máximo deles a cada dia? A construção dramática de Sorkin pretende provar que ambas as coisas são possíveis. Tal como fazem Matt e Simon enquanto tomam cerveja, é possível a metade branca conversar com a metade negra. Embora dê mais trabalho, seja mais difícil, ambas as metades podem conversar também na televisão, desde que elas se coloquem minimamente numa posição de escuta, sejam capazes de prestarem atenção a falas dissonantes e sensíveis de humoristas como Darius.

E Tom e seus pais, o que têm a dizer sobre isso? Como Simon havia dito, 27 anos é muito para se continuar a ter problemas com os pais. Tom concorda e dá o primeiro passo para se reconciliar com o seu, da forma que considera melhor e mais genuína. Uma outra metade da América, a dos filhos, pode se reconciliar com a dos pais.

Quanto ao nosso Ulisses, o que é feito dele? Vemo-lo sentado na sala dos roteiristas, contente rememorando os primórdios de Studio 60, a partir da velha fotografia, rodeado por Cal, Danny e Matt. A cena é emblemática e ao mesmo tempo simples: se sabemos identificar os nomes, conseguimos rememorar e contar histórias, finalmente podemos saber quem somos.

Dê a sua opinião »

Trackback |
Deprecated: Function comments_rss_link is deprecated since version 2.5.0! Use post_comments_feed_link() instead. in /home1/telese04/public_html/wp-includes/functions.php on line 6114
RSS 2.0

  1. Paulo Antunes - 08/09/2007

    Laura, em primeiro lugar é um prazer ler teus reviews de Studio 60. Eles ajudam a colocar em ordem na minha mente os sentimentos conflitantes que tenho com relação a série.

    Em segundo, parabéns por ter tocado no ponto exato do episódio. Este episódio está cheio de distrações e você soube se desviar de todas elas – a Lauren Graham, as groupies burras que não sabiam quem era o Matt, a embriaguez da Jordan, o diálogo do Jack com o Danny, etc. etc.

    Este foi o episódio de Studio 60 que até aqui mais conseguiu ser aproximar dos bons momentos de The West Wing, talvez exatamente por estar tão carregado de metáforas e símbolos. Foi realmente especial.

  2. Leonardo Toma - 08/09/2007

    Texto genial. Eu não me liguei nem de longe nessas referências à Ulisses. Agora que li teu texto ficou evidente mesmo.

    Continue fazendo o ótimo trabalho escrevendo sobre essa série que deveria ter uma vida mais longa.

  3. Thais Afonso - 08/09/2007

    Laura, eu sabia que Studio 60 era a sua cara. Sorkin é um escritor muito inteligente, que consegue construir uma trama sensível e sentimental, que toca e emociona, e ao mesmo tempo consegue falar de muitas coisas de maneira sutil. E passar na sua review pra pensar em todas essas coisas que passam despercebidas na experiência emocional que é pra min ver Studio, já faz parte do processo de se assistir essa série sensacional.

  4. Paulo_fiaes - 08/09/2007

    Sabe Laura, vou ser honesto contigo. essa foi a review sua que eu mais gostei. dessa vez pude entender bem o que você quis dizer, confesso que isso é uma falha minha, que nem sempre consigo acompanhar seu raciocínio, mas dessa vez você conseguiu passar toda a esência dos episódios de forma inteligente, porém simples e objetiva.

    eu lembro de um dialogo entre Simon e Tom no começo do episódio que mostra a profundidade dos temas que estavam sendo aborados, essa expressão usada por Simon mexe comigo até hoje:

    “Ele trabalha para viver.”

    pra quem não lembra, é na hora que Simon puxa Tom pela orelha e diz essa frase simples mas emblemática para o amigo “Ele trabalha para viver.”

    minha mãe sempre sonhou em ser artista, morreu com esse sonho sem realizar, pois ela se formou em contabilidade, casou e teve 3 filhos, depois ficou divorciada e teve que continuar sustentando os 3 filhos, quando se aposentou, acreditem, com 45 anos, ela pensou que poderia seguir os sonhos dela, mas a vida quis que ela continuasse sustentando seus filhos. eu, o filho mais novo, entrei em depressão, achei que estava pirando, e ela precisou continuar sustentando seus filhos, parece até a continuação de felicidade não se compra, mas só estou dizendo isso, porque minha mãe é uma das pessoas que mais admiro e respeito no mundo, e sabe porque? “Ela trabalhou para viver.”

    parabéns Laura pela review
    e parabéns Studio 60 pela única e excelente temporada.

    parece que a mais nova tendência é: se te fez pensar, cancele.

  5. Laura Gomes - 08/09/2007

    Gente muito obrigado pelos comentarios. Esta sendo muito gratificante para mim ver a serie e escrever sobre ela aqui no Teleséries.

  6. Paulo Fiaes - 09/09/2007

    Laura,

    só uma sugestão, você ja viu Battlestar Galactica??

    seria ótimo ler uma opinião sua. os box das duas primeiras temporadas, juntos, estão custando menos de 50 reais na americanas.com, vá por mim,vai valer a pena. bjux!

  7. Thiago Sampaio - 10/09/2007

    Uaaaaau…
    tão bom quanto o episódio =)

  8. Laura Gomes - 22/09/2007

    Oi Paulo,
    Desculpe a demora em responder. Tive de ficar fora um tempo. Mas essa é uma série que gostaria mto de assistir sim, por tudo o que comentam dela. Estou aguardando uma oportunidade. Valeu a sugestão.

  9. O TeleSéries nasceu em 2002 e fechou as portas em 2015. Temos nos esforçado para manter este conteúdo no ar ao longo dos anos. Infelizmente, por motivo de segurança, os comentários nos posts estão fechados. Obrigado pela compreensão!